sexta-feira, 5 de novembro de 2010

Tudo o que eu sinto esbarra em Deus


Graça

 O mundo é um jardim. Uma luz banha o mundo.
A limpeza do ar, os verdes depois das uvas, os campos vestindo a relva como o carneiro a sua lã, a dor sem fel: uma borboleta viva espetada.
Acodem as gratas lembranças: moças descalças, vestidos esvoçantes, tudo seivoso como a juventude, insidioso prazer sem objeto.
Insisto no vício antigo- para me proteger do inesperado gozo.
E a mulher feia ? E o homem crasso ?
Em vão. Estão todos nimbados como eu.
A lata vazia, o estrume, o leproso no seu cavalo estão resplandecentes. 
Nas nuvens tem um rei, um reino, um bobo com seus berloques, um principe.
Eu passei nelas, é sólido. 
O que não vejo, existindo mais que a carne.
Esta tarde  inesquecível Deus me deu.
Limpou meus olhos e vi: como o céu, o mundo verdadeiro é pastoril.


( poesia retirada do livro " Adélia Prado Poesia reunida")



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